Mesmo antes de Kamala Harris receber o aval do presidente Joe Biden e se tornar a virtual nova candidata democrata à presidência dos Estados Unidos este ano, a mídia conservadora americana já havia iniciado o ataque: “candidato DEI”. Não há dúvida de que uma ofensiva abertamente racista e misógina provavelmente começará em breve.
Para quem não conhece a sigla, DEI significa “diversidade, equidade e inclusão” e refere-se à promoção de um ambiente corporativo diversificado, onde todos tenham oportunidades iguais e sejam respeitados apesar das suas diferenças. Parece bom, certo? Mas depois de anos investindo nesta agenda, muitas empresas americanas pisaram no freio.
As razões para este contra-movimento são multifacetadas e reflectem tensões mais amplas na sociedade americana. Mas o que esse movimento indica e quais os potenciais impactos para o Brasil?
Em primeiro lugar, indica que o DEI, para muitas organizações, ainda é sectorizado e não uma lente utilizada em múltiplas áreas do negócio – como tal, pode ser despriorizado se os incentivos externos mudarem. Indica então que as feridas profundas abertas por séculos de tráfico transatlântico levarão muito mais tempo a sarar do que a nossa benevolência corporativa tinha imaginado.
Por último, e mais importante, indica que o Os EUA devem separar-se da liderança conceptual e ideológica desta agenda – tanto que as empresas de origem europeia não passaram por esta aguda crise de reavaliação. Nesse sentido, o Brasil pode se mostrar um farol para o avanço da agenda, com um contexto jurídico, social e político radicalmente diferente do norte-americano.
No campo jurídico, a constitucionalidade das cotas no ensino superior já foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e renovada como política pública pelo Congresso, com ações afirmativas no serviço público em curso em vários estados e no governo federal. Os programas afirmativos de vagas já foram considerados pelo Ministério Público como iniciativas legais de inclusão social e promoção de igualdade de oportunidades.
No campo político, o atual governo federal está alinhado à agenda de inclusão e nem o Congresso nem os governos estaduais caminharam na direção oposta.
Na esfera cultural e social, existe uma forte massa crítica de líderes de opinião que defendem a urgência da equidade racial, reconhecendo a responsabilidade histórica da escravatura no país com a maior população negra fora de África.
Numa altura em que os EUA parecem estar a recuar na sua agenda de diversidade, precisamos não só de nos proteger, mas também de avançar ainda mais. A agenda é uma das mais complexas e exigentes: exige compromisso e tempo dos líderes; equipas orçamentais e multifuncionais com responsabilidade partilhada; e qualidade na execução de programas e iniciativas que atinjam o cerne da cultura corporativa.
Temos uma oportunidade de ouro para desenvolver um dos nossos pontos fortes – somos um país extremamente diversificado, mas ainda temos muito a fazer para transformar essa diversidade em inovação e vantagem competitiva. À altura deste desafio, quando a onda anti-DEI norte-americana passar – porque vai passar –, o Brasil terá muito para inspirar.
Natália Paiva É diretora executiva do MOVER (Movimento pela Equidade Racial), dedicando sua vida profissional a projetos de alto impacto. Cearense formada em jornalismo e mestre em administração, tem 15 anos de experiência em Gestão Estratégica, Políticas Públicas, Comunicação e liderança em organizações como McKinsey & Company, Meta e Transparência Brasil. Desenvolveu a área de Políticas Públicas do Instagram para a América Latina e fundou a Alandar Consultoria em Políticas Públicas, que, liderada por mulheres, se dedica a impactar o debate público com uma abordagem criativa e multissetorial na indústria de tecnologia. Publicou três livros infantis com foco na educação antirracista.
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