A democrata Kamala Harris provavelmente melhorou suas chances de se tornar presidente dos Estados Unidos no debate da noite passada (10) com o republicano Donald Trump. Constantemente no ataque, Kamala tomou a iniciativa, comandou o show e deu talvez a atuação mais sólida de um político em um debate contra Trump até hoje.
Objectivamente, não é fácil avaliar quem ganhou um debate eleitoral. O melhor indicador são as pesquisas de intenção de voto que serão realizadas a partir de agora. Mas alguns dados apontam para uma vitória clara de Kamala. Uma pesquisa rápida (e, portanto, menos confiável) da CNN TV indicou que Kamala venceu para 63% dos entrevistados, em comparação com 37% que viram Trump vencer. Uma pesquisa qualitativa do The Washington Post também mostrou a vitória de Kamala por ampla margem. A plataforma de previsão política PredictIt indicou um aumento nas chances de Kamala vencer as eleições, sugerindo assim que ela venceu o debate. As ações da plataforma de mídia social Thuth, de Trump, caíram 7% logo após o debate, também em um sinal de que o republicano teve um mau desempenho.
Ao contrário do presidente Joe Biden, que começou mal o debate de junho ao subir ao palco parecendo frágil, Kamala deu o tom desde o início. Ela subiu no palco e foi diretamente até Trump para cumprimentá-lo. O republicano não pareceu esperar por isso e subiu ao púlpito. A democrata foi atrás dele, estendeu a mão e se apresentou.
Kamala teve uma grande vantagem desde o início: não ser Biden. Para quem acompanhou o péssimo desempenho do presidente em junho, qualquer comparação seria favorável. Mas com a sua experiência como promotora, ela provou ser o adversário mais difícil que Trump já enfrentou.
A grande maioria dos eleitores americanos já decidiu o seu voto e não deve mudar de opinião por causa deste debate. Mas há cerca de 15%, segundo pesquisas, que ainda não sabem em quem votar. Numa eleição que hoje está tecnicamente empatada, são esses 15% que definirão o resultado. O debate era para eles.
Nesse sentido, Kamala parece ter conseguido atingir alguns dos seus objetivos de campanha no debate. Em primeiro lugar, apresentou-se a uma parte do eleitorado que pouco sabia sobre ela. Em segundo lugar, defender, mas distanciar-se de Biden em questões onde o atual governo é mal avaliado, como a imigração (“você está concorrendo comigo, não com Biden”, chegou a dizer a Trump). Terceiro, ela apresenta algumas de suas propostas, especialmente aquelas relacionadas ao apoio à classe média e aos pequenos negócios. Finalmente, ela apresenta-se como a nova, como a candidata que olha para o futuro, contra um Trump que raramente pareceu tão velho e tão passado.
Como seria de esperar, Trump insistiu na questão da segurança e da imigração ilegal, repetindo sempre que a administração Biden e os democratas estão a destruir o país. Mas mesmo nesse assunto ele ficou confuso e rapidamente desviou para outro assunto. Ele também insistiu que Kamala é uma esquerdista radical.
Já Kamala focou em algumas propostas, repetindo inúmeras vezes que tem um plano para governar os EUA (a mensagem subliminar é que não é o plano de Biden). Mas ela também se concentrou em atacar Trump. Em quase todas as suas respostas, a democrata procurou uma forma de atacar pessoalmente Trump, retratando-o como desequilibrado, pouco confiável, fraco e inepto no governo do país. Ela, por exemplo, relatou que os líderes militares americanos com quem conversou (não identificados) disseram que consideravam Trump “uma vergonha”. O republicano pareceu surpreso com a torrente de ataques, irritou-se e passou a respondê-los, fazendo com que Kamala liderasse a discussão. Em geral, Trump parecia estar na defensiva a maior parte do tempo, mesmo em questões que deveriam tê-lo favorecido.
Trump também ajudou a corroborar a imagem que Kamala tinha dele com uma série de mentiras. Possivelmente o mais bizarro foi que os imigrantes ilegais roubaram e comeram cães e gatos de estimação em Ohio.
O debate acabou sendo vago sobre as propostas e os detalhes de como realizá-las. Kamala, por exemplo, não revelou o custo dos seus planos de apoio nem disse como pretende financiá-los, numa altura em que o défice público americano já se encontra num nível muito elevado. Ambos os candidatos declararam que pretendem pôr fim às guerras na Ucrânia e em Gaza, mas não deram qualquer indicação de como pretendem fazê-lo.
Em termos de gestos, Trump lembrou vagamente ao perdido Biden o debate de junho. Ele permaneceu sério e carrancudo o tempo todo, olhando apenas para frente, quase nunca para o democrata. Kamala, ao contrário, quase sempre olhava para Trump, gesticulava muito, às vezes beirando a arrogância.
Historicamente, os debates tendem a ter pouca influência nas eleições presidenciais americanas. O debate de junho, porém, destruiu a candidatura de Biden. Todos os olhos estarão agora voltados para a pesquisa nos próximos dias.
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