Segundo levantamento da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), o número ainda deve crescer à medida que a seca continua. Extremos climáticos, como as enchentes no Rio Grande do Sul e a seca que atinge a região Norte, já causaram perdas de pelo menos R$ 6,67 bilhões ao agronegócio brasileiro. Seja pelos danos estruturais ou pelo impacto nas atividades agrícolas e pecuárias, a conta é elevada e os efeitos ainda deverão durar. Além da perda de vidas, a tragédia das enchentes no Rio Grande do Sul em abril e maio causou prejuízos de R$ 5,4 bilhões à agricultura e pecuária do Estado, segundo a Confederação Nacional dos Municípios (CNM). Na região Norte, onde a falta de chuvas reduz o volume de água nos rios que antes estavam cheios, os prejuízos à agricultura e à pecuária chegam a quase R$ 1,3 bilhão, segundo a CNM. Como a seca persiste, a confederação afirma que o valor deverá aumentar à medida que novas informações forem divulgadas pelas cidades. Leia também “Municípios de todo o Brasil vivenciam desastres recorrentes, e a seca histórica na região Norte destaca a urgência de uma ação federativa para enfrentar a emergência climática”, afirma o presidente da CNM, Paulo Ziulkoski, ao Globo Rural. Na Amazônia, ribeirinhos afirmam que o período de estiagem chegou no início deste ano, mas na verdade nem passou, afirma Ana Paula Cunha, pesquisadora do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden). Segundo ela, a seca já completou um ano em diversas regiões do bioma. “A pobreza aprofunda o impacto da seca no Norte. Os grandes produtores conseguem superar isso, mas entre os pequenos produtores muitos não têm acesso a assistência técnica e energia”, afirma. Na comunidade Santa Helena do Ingles, em Iranduba (AM), onde a economia é baseada no cultivo de mandioca e na pesca, liderança Nelson Brito afirma que ribeirinhos estão trabalhando nas reservas hídricas na tentativa de se preparar para o período mais crítico da seca , a partir de setembro. “Por ano, produzimos 1 tonelada de subprodutos da mandioca. Vendemos farinha, tucupi, fécula e tapioca, e os produtos são todos feitos na comunidade. No ano passado, com a seca, a produção de mandioca caiu pela metade e ficou exclusivamente para autoabastecimento. Não tivemos lucro e não tinha como transportar até Manaus (AM) pelo rio”, lembra Brito ao repórter, que esteve na região no início deste mês. Nelson Brito, produtor rural e líder comunitário de Santa Helena do Inglés Thiago Poncio/Aberje O pesquisador do Cemaden afirma que, nos últimos dez anos, as secas têm sido recorrentes em intervalos cada vez mais curtos na Amazônia, no semiárido e no Pantanal. Pantanal O bioma Pantanal é outra região que sofre com falta de chuvas e queimadas. Só o Pantanal de Mato Grosso do Sul já teve 1,2 milhão de hectares consumidos pelo fogo neste ano, entre áreas produtivas de pastagens e infraestrutura. Lá, a seca também afeta as pastagens, o que significa menos alimentos para o gado e menos animais prontos para o abate. O vice-presidente do Sindicato Estadual das Indústrias de Frios, Carnes e Derivados (Sicadems), Sergio Capuci, já avalia a possibilidade de reduzir o número de abates. “Além da forte seca, Mato Grosso do Sul é o estado com menos animais confinados. Temos vários confinamentos que não estão em plena capacidade.” Neste cenário de escassez de alimentos para a pecuária, vários produtores estão vendendo fêmeas para abate. “Ainda não sei quão precisa é a dimensão disso, mas é um dos maiores problemas que temos hoje porque está comprometendo o rebanho pantaneiro no médio prazo”, reconhece o secretário de Meio Ambiente, Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação do Estado, Jaime Verruck. Segundo ele, o governo do estado solicitou à Superintendência de Desenvolvimento do Centro-Oeste (Sudeco) a liberação de crédito emergencial para ajudar os produtores do Pantanal afetados pela seca. “A proposta que apresentamos inicialmente é de R$ 200 milhões com juros de 6,5% ao ano, mas ainda precisamos ver qual será a proposta do Mato Grosso, porque será um auxílio amplo para todo o bioma Pantanal.” Enchentes No Rio Grande do Sul, onde produtores com perdas acima de 30% terão descontos nas dívidas de crédito rural, a Emater/RS estima que 206 mil empreendimentos foram afetados por enchentes na zona rural, em 405 municípios. Entre os mais atingidos está Estrela, município de 32 mil habitantes às margens do rio Taquari. Na comunidade de Arroio do Ouro, visitada pelo repórter em junho, o cenário era de guerra. Montes de lama e areia cobriam terras que já foram usadas para agricultura. Casas, galpões e outras estruturas foram destruídas pela força das águas, que arrastaram animais, carros e máquinas agrícolas. O produtor Airton José Dieter e sua esposa, Anastácia, ambos de 58 anos, tiveram que se refugiar com outros vizinhos no segundo andar de sua casa. Dieter diz que não sabe por onde começar sua recuperação. Dos 35 hectares plantados com soja, parte do solo foi retirada. A enchente também matou todos os 50 animais, incluindo gado de corte, gado leiteiro e búfalos. Produtor Airton José Dieter, de Arroio do Ouro, afetado pelas chuvas no RS Marcelo Curia “Terra que custa de R$ 50 mil a R$ 60 mil por hectare não vale nada, ninguém vai querer comprar (…). Como posso buscar apoio para arrumar o terreno e voltar a plantar? Não sei o que fazer”, lamenta. A maior parte da produção de grãos do Rio Grande do Sul já havia sido colhida quando ocorreram as enchentes. Porém, nas regiões centro e sul do estado ainda havia culturas, principalmente de soja, no campo. Nessas áreas, as perdas foram dramáticas. Em sua propriedade de 560 hectares em São Sepé, região central do Rio Grande do Sul, a produtora Graziele de Camargo iniciou a colheita da soja quando as chuvas chegaram, no final de abril. A área não foi afetada pelas enchentes, mas a chuva impossibilitou o acesso das máquinas às plantações. Com o excesso de umidade, a soja apodreceu no campo e 70% da produção foi perdida. “Se estou falido, com uma dívida de R$ 2 milhões, não foi por incapacidade administrativa. Não posso continuar a cultivar por causa de uma tragédia climática, que o governo deveria ter uma solução para mitigar”, queixa-se. *O jornalista viajou para Manaus (AM) a convite da Expedição Amazônia, promovida pela Aberje e Itaú
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