A possibilidade de a inteligência artificial ultrapassar em breve a inteligência humana é algo que divide o público em optimistas e pessimistas. Em entrevista recente, Dario Amodei, CEO da Anthropic, startup que desenvolve inteligência artificial (IA), afirmou acreditar que esta tecnologia poderá atingir um nível de autonomia que a tornará capaz de se reproduzir de forma independente entre 2025 e 2028. A declaração acrescenta outro elemento às previsões de vários investigadores sobre o futuro da IA e dos seus efeitos – positivos para alguns, catastróficos para outros. Numa das passagens mais citadas nesta área, o matemático Irving John Good, que serviu como estatístico-chefe da equipe liderada por Alan Turing para quebrar os códigos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial, previu em 1965 que quando formos capazes de criar um ultra- máquina inteligente capaz de nos superar facilmente em todas as atividades intelectuais (considerando que projetar máquinas é uma dessas atividades), tal máquina poderia criar outras ainda melhores que ela, o que levaria a uma “explosão de inteligência”. Portanto, segundo ele, a primeira máquina ultrainteligente é “a última invenção que o homem precisará fazer, desde que seja dócil o suficiente para nos dizer como mantê-la sob controle”. Embora a visão de Good fosse relativamente otimista, pois acreditava que a explosão de inteligência resultante da reprodução das máquinas poderia trazer grandes benefícios à humanidade, o matemático introduziu, ainda que indiretamente, a preocupação com a perda de controle que esta evolução causaria. Anos antes, a mesma possibilidade já incomodava o próprio Alan Turing. Numa palestra de 1951, ele argumentou que, uma vez que as máquinas começassem a pensar, não demoraria muito para que nos ultrapassassem. Neste ponto, disse ele, deveríamos esperar que eles nos dominassem. Com o tempo, esta visão pessimista sobre o futuro da IA ganhou força. Em 1993, o matemático e escritor de ficção científica Vernor Vinge, falecido em março deste ano, escreveu um ensaio intitulado The Coming Technological Singularity. A palavra singularidade, utilizada por Vinge pela primeira vez em 1982, foi emprestada de um conceito presente tanto na matemática quanto na física. Refere-se a um ponto no espaço-tempo onde as leis comuns da física não se aplicam, como dentro de um buraco negro, por exemplo. Para ele, o termo designava o momento em que as máquinas nos ultrapassariam intelectualmente. Na visão de Vinge, expressa num simpósio da NASA em 1993, dentro de 30 anos teríamos os meios para criar uma superinteligência artificial e, pouco depois, a era humana terminaria. Em vez de ver as máquinas como salvadoras, ele entendeu que a singularidade equivaleria ao dia do juízo final. Mais recentemente, o termo foi adotado pelos transumanistas – movimento que reúne atores proeminentes no cenário da IA, a maioria deles trabalhando no Vale do Silício. O maior expoente deste grupo é provavelmente Ray Kurzweil, conhecido futurista, inventor e escritor, autor de The Singularity Is Near, em 2005 – e que acaba de publicar um novo livro, intitulado The Singularity Is Closer. Para Kurzweil, essa crença é justificada pela observação de que o mesmo crescimento exponencial observado em relação ao número de transistores que podem ser colocados em um microchip – que, segundo a conhecida Lei de Moore, dobraria aproximadamente a cada dois anos – é visto em diversos outros índices tecnológicos relevantes, como o aumento da velocidade dos microprocessadores e a queda no preço da memória computacional, que também ocorrem de forma não linear. Ao analisar outras tendências, como a diminuição do custo do sequenciamento de DNA e o aumento das patentes de nanotecnologia, ele percebeu que elas estavam progredindo com a mesma rapidez, o que ele chamou de lei dos retornos acelerados. Com base nessas curvas, Kurzweil previu que os computadores atingirão o mesmo poder de processamento que um único cérebro humano até 2029, e que um único computador poderá igualar o poder de todos os cérebros humanos combinados até 2045. Em seu novo livro, Kurzweil reitera a previsão de que em 2029, a IA será melhor do que todos nós em qualquer habilidade que tenhamos. Ele e os transumanistas, porém, têm uma visão um pouco diferente e mais otimista do que seria a singularidade. Kurzweil acredita que isto transformará a condição humana, pois permitirá o desenvolvimento de tecnologias sofisticadas que melhorarão enormemente as nossas capacidades físicas e intelectuais. Isto aconteceria através da fusão do homem e da máquina, que formaria uma única entidade consciente estendida. Dando a receita para isso, Kurzweil prevê em seu livro que os seres humanos serão inoculados com nanorrobôs – robôs do tamanho de moléculas. Através da corrente sanguínea, eles chegarão ao nosso cérebro, que poderá então se conectar à nuvem, expandindo nossa inteligência milhões de vezes. Esses mesmos nanorrobôs serão capazes, até 2040, de curar a maioria das doenças e interromper o processo de envelhecimento. Segundo esta visão, a primeira pessoa a viver mil anos já teria nascido. Quem estaria certo, os pessimistas, que veem a superação da inteligência humana como o fim da nossa espécie, ou os otimistas, que veem neste processo a promessa de alcançar a eternidade? Aparentemente, não demorará muito para descobrirmos. Eduardo Felipe Matias é autor dos livros Humanidade e suas Fronteiras e Humanidade contra as Cordas, vencedores do Prêmio Jabuti, e coordenador do livro Marco Legal das Startups. Doutor em Direito Internacional pela USP, foi professor visitante nas universidades de Columbia, em NY, e Berkeley e Stanford, na Califórnia, e é sócio da área de negócios de Elias, Matias Advogados Mais Lidos
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