Delfim foi talvez o economista mais erudito de sua época no Brasil. Ele conhecia a teoria e a evidência empírica.
Foi assistente de Alice Canabrava, historiadora econômica extremamente cuidadosa com dados e documentação, e aluno de Luiz de Feitas Bueno, que conhecia bem microeconomia e econometria.
Sua tese sobre o problema cafeeiro do Brasil é impressionante, combinando a melhor teoria econômica da época com a análise histórica da política cafeeira e suas implicações.
Dele emerge um tema que é a dependência que o Brasil tinha de um bem agrícola em suas exportações, como isso gerou muita pressão e volatilidade para a taxa de câmbio e como isso afetou a economia e a indústria, em particular.
Para minimizar a volatilidade cambial associada ao preço de apenas um produto, ele foca então no tema da diversificação da cesta de exportações e por que o Brasil tem apenas uma cultura importante.
Em meados da década de 1960, organizou um grupo de trabalho sobre agricultura. A magistral tese de doutorado de Affonso Censo Pastore, com a análise empírica de como a produção agrícola reage aos preços de mercado, foi fruto dessa agenda.
Posteriormente, o Ministro da Fazenda, juntamente com o Ministro da Agricultura, Cirne Lima, organiza um novo grupo de estudos, com José Pastore, Affonso Celso Pastore, Eliseu Alves e muitos outros, para estudar como superar os desafios da agricultura brasileira.
A conclusão é que faltava tecnologia para lidar com a agricultura nos trópicos. Muitas culturas foram desenvolvidas para climas temperados e, em muitas regiões, como o Centro-Oeste, o solo era ácido e pobre em nutrientes.
Como resultado desse trabalho surgiu uma das políticas setoriais de maior sucesso no Brasil, que é investir na formação de pesquisadores e técnicos para melhorar os solos do Centro-Oeste e adaptar culturas como a soja ao clima tropical.
A Embrapa nasceu desse esforço — foram cerca de 2 mil profissionais em 10 anos, que passaram pelas melhores universidades.
Estudos mostram que a produtividade cresceu 3% ao ano nos últimos 50 anos e que o preço de uma cesta básica no país caiu para entre 10% e 5% do que custava naquela época. Pouca gente sabe, mas Delfim teve papel fundamental nessa agenda.
Delfim é um personagem complexo.
No setor público, ele jogou com maestria o jogo das nomeações, nomeando cargos e criando alianças para executar sua agenda. Ele era uma pessoa muito gentil e sedutora, que construía conversas convidativas com muita facilidade.
E, da mesma forma que conhecia muito a técnica e a economia das décadas de 1950 e 1960, acreditava muito – talvez porque era pensamento comum na época – na capacidade do Estado de fazer intervenções discricionárias. Interferir nos preços e estimular determinadas atividades produtivas e, com isso, ter resultados positivos na economia, como fez durante o governo Médici (1969-1974). Deixou uma série de problemas, como destaca Affonso Celso Pastore, no primeiro capítulo de seu livro “Erros do passado, soluções para o futuro”.
No início do governo Figueiredo (1979-1985), realizou a malsucedida prefixação da correção cambial e da correção monetária. Posteriormente, porém, com Affonso Celso Pastore no Banco Central, conseguiu amenizar a grave crise externa, estabilizar a inflação, ainda que em patamar elevado, e entregar uma economia melhor no final do governo do que no início da década.
O intervencionismo discricionário na economia brasileira é uma agenda comum tanto à esquerda como à direita. E esta agenda contribuiu para as nossas crises mais graves, tanto no início da década de 1980 como na década passada. Mas continua bastante dominante no país e Delfim nunca o abandonou.
Após essas passagens pelo governo, Delfim seguiu carreira como deputado e colunista. Suas colunas no jornal Folha de S. Paulo na década de 1980 anteciparam problemas que o país discutiria e exploraria anos depois, como os rent hunters, grupos privados que capturam o Estado em busca de privilégios. Até ao fim, Delfim manteve a sua influência na política e na economia.
Conheci Delfim muito tarde na vida. Eu, que sou carioca e nasci na década de 1970, sou um pouco esquerdista, embora muita gente não acredite em mim. Foi uma surpresa conhecê-lo. Ele era um grande conversador, sempre tinha argumentos interessantes, às vezes inesperados. Com maestria, ele orientou os temas e o desfecho das conversas.
Não falávamos do passado na política durante a ditadura. Ele sabia de onde eu vinha e o que eu pensava sobre isso, meu desgosto com a ditadura e o AI-5.
Nas suas colunas, ele criticou muitas vezes com irreverência os jovens economistas que gostavam de matemática e tenho a impressão de que algumas delas foram dirigidas a mim. Não havia como. Terminou de lê-los, divertido com seu bom humor cáustico.
*Depoimento para Marcelo Osakabe. Marcos Lisboa é ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda e ex-presidente do Insper.
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